Detecção do problema e
acompanhamento até à cirurgia
A Natália nasceu de parto
normal. A gravidez foi vigiada. Sempre foi saudável e nunca apresentou
sinais de qualquer problema cardíaco. Aos 5 anos, numa consulta de rotina,
o pediatra ausculta um sopro e aconselha-nos uma consulta de
cardiologia. A comunicação interauricular (CIA) do tipo Ostium
secundum foi detectada de imediato e, de acordo com o médico, sugeria
ser de grande dimensão. Fomos informados de que o encerramento
percutâneo seria difícil, sendo mais certo a cirurgia.
A notícia foi um grande choque para
nós, com a agravante de estar grávida de 3 meses e portanto particularmente sensível. Os 3 dias seguintes à notícia foram difíceis.
Muita ansiedade e incerteza. O facto da correcção deste tipo de
cardiopatias ser “das mais simples que se podem fazer” não tornaram as
coisas mais simples de suportar.
O dia seguinte foi de investigação
na internet. A informação existente sobre cardiopatias não é
propriamente perceptível pela maior parte das pessoas que nunca leram sobre o
tema. Testemunhos, praticamente não existem.
Passámos a ser seguidos no Hospital
de Santa Cruz a cada 6 meses de modo a acompanhar a evolução da CIA.
Não houve melhorias, antes pelo contrário, à medida que crescia, a
comunicação ficava maior. As hipóteses de encerramento percutâneo
eram mínimas mas ainda havia essa hipótese. Aos 6 anos: ecocardiograma
transesofágico para avaliar a dimensão da comunicação assim como
os rebordos. O resultado do exame aponta mais uma vez para
encerramento cirúrgico mas sem certezas absolutas.
Aos 7 anos: cateterismo de
diagnóstico com possível correcção. É um exame que requer internamento de 2
dias. Foi tudo muito tranquilo e sereno, reagiu muito bem à anestesia
e acordou bem disposta. Pior foi a notícia de que o encerramento não
tinha sido bem sucedido. Novamente um grande choque. Porém, tivemos oportunidade de conhecer melhor as instalações, enfermeiras, médicos,
algumas crianças e pais. Ajudou a
relativizar o problema. Estava
decidido: a cirurgia era certa.
Somos confrontados agora com um novo
problema: esternotomia ou toracotomia. Que quer isto dizer?
Incisão cirúrgica à frente através do externo ou numa posição lateral à
direita sub-mamária, entre as costelas. As questões estéticas
neste tipo de cirurgias, principalmente nas meninas, é uma
preocupação crescente da equipa do Hospital de Santa Cruz. Colocam-nos
em cima das mãos esta decisão. No 1º caso, seria para avançar de
imediato. No 2º caso, esperar-se-ia pela pré-adolescência aquando do
desenvolvimento do peito. Decidimos pela 2ª.
Numa avaliação de rotina semestral aos 8 anos, o cardiologista recomenda-nos avançar de imediato
para a cirurgia devido ao risco dedesenvolvimento de problemas
cardíacos mais sérios. Somos então encaminhados para uma consulta de
cirurgia e fica decidido pelo encerramento por toracotomia. Em
poucas semanas somos chamados.
Dia da cirurgia e internamento
A véspera da cirurgia é passada no
hospital a fazer exames e surpreendentemente tranquila. Somos
visitados por todos os intervenientes no processo:
enfermeira da enfermaria, cirurgião, enfermeira chefe na sala de
operações, anestesista. A atenção e o cuidado com a criança e com os pais
é surpreendente. É uma conversa
séria, tiramos as dúvidas. É a
materialização de uma situação para a qual tínhamos apenas uma vaga ideia.
A sensação de que agora é que é, vai acontecer, e é amanhã … é
assustadora.
A noite da véspera e a manhã da
cirurgia é calma para as crianças devido aos calmantes. Para os pais
é: o momento. Não se consegue explicar. São 9h30 da manhã e ele
chega. Morre-se um bocadinho ali à porta daquele elevador do 4º piso.
Depois são 3 horas de espera quase
insuportáveis. Encontramo-nos no limite do desespero. Quase não se
aguenta. Mas não sei lá como, aguenta-se. Paramos num café onde
esperamos pelo telefonema. E ele chega às 12h18 minutos, da
enfermeira chefe com quem falámos no dia anterior.“Correu tudo bem”.
É a melhor sensação do mundo.
Semelhante aquela que se tem quando se dá à luz. Mas, tal como não estamos
preparados para tomar conta de um bébe recém-nascido, não estamos
verdadeiramente preparados para os 2 dias do pós-operatório que se
seguem.
Assim que vejo o cirurgião, ainda
vestido de verde, só me apetece abraçá-lo. Não se tem palavras para
agradecer. Que milagre termos acesso a estes tratamentos e a pessoas
talentosas que fazem magia em corações do tamanho de nêsperas. Ele
só diz “Correu tudo bem. Mãe, não se impressione com os tubos!”.
Aqui vamos nós para o 1º encontro.
Ali está ela deitada, branca da côr das paredes. É real, são tubos por
todo o lado: no nariz, na boca, no peito, no pescoço, nos braços. Em
poucas horas começa a respirar sozinha – sai o tubo da boca. Aos
poucos acorda e dá por nós. Não consegue falar. Num movimento para
lhe acomodar a almofada, olha para mim e pisca-me o olho como quem diz:
“Mãe, consegui”. Adormece, acorda, volta a adormecer e acorda.
Uma enfermeira por criança 100% do tempo. Uma atenção, um cuidado, um carinho surpreendente. Fiquei muito bem impressionada e muito mais segura e calma ao saber que estava em boas mãos.
Uma enfermeira por criança 100% do tempo. Uma atenção, um cuidado, um carinho surpreendente. Fiquei muito bem impressionada e muito mais segura e calma ao saber que estava em boas mãos.
Doses de medicação provocam-lhe
vómitos – aspirações umas atrás das outras pelo tudo do nariz.
Estabiliza. Sai o tubo do nariz. Começa a aperceber-se que o pior está para
vir: os drenos no peito. Dois tubos enormes que se encarregam de drenar
os resíduos da operação. São 23h e temos de sair. Não é permitida a
presença dos pais à noite nos cuidados intensivos.
2º dia: sou a última a sair mas a 1ª
a chegar (mesmo dpois de 5 telefonemas durante a noite). Deparo-me com uma expressão de medo. Apercebo-me de
que está assustada com o cenário. Apesar dos janelões enormes que dão
para um céu azul maravilhoso do lado de fora, do lado de dentro são
máquinas, tubos, enfermeiras, apitos por todo o lado. Passado
algum tempo apercebo-me que o medo é da operação…que afinal já foi.
Quando lhe digo que já passou e correu tudo bem fecha os olhos. Ao mesmo
tempo escorrem-lhe as lágrimas pela cara. Respira fundo e descansa outra
vez. Está com umas cores bonitas, rosadinha. Os progressos vêem-se com
o passar das horas. Parecem dias mas não, são horas. O levante no 2º
dia corre bem. Depois não quer sair da cadeira. É um berbicacho
para voltar para a cama. Bebe 2 golos de Icetea de manga, nada mais.
Dia 3 nos cuidados intensivos: dia
de saírem os drenos e da subida para a enfermaria. O Dr prepara-se.
Manda-nos sair. São 15 minutos de tortura cá fora. Quando voltamos
estão 2 enfermeiras a segurarem-lhe os braços. A expressão de dor na sua
cara não se esquece, nunca mais. “Não quero mais” é o que diz. E
pronto, em princípio não haverá mais.
Instala-se uma surpreendente
sensação de alívio em todos. Preparamo-nos para a subida para a
enfermaria não sem antes beliscar numa canjinha e numa gelatina de
laranja. Sob o efeitos dos sedativos diz-me: “Mãe, quando é que volto a
ser eu?”. Ainda bem que não está nela porque a 2ª melhor notícia
destes 3 dias foi saber que ela não iria ter recordações daqueles dias.
Já nós, pais, vamos viver com eles toda a vida.
Mesmo antes de sair, tirámos umas fotografias para recordar. Entusiasmada, comentei que tirava tantas fotografias como o dia em que ela nasceu, ao que ela responde: "Mãe, eu nasci de novo, mas desta vez inteira".
Mesmo antes de sair, tirámos umas fotografias para recordar. Entusiasmada, comentei que tirava tantas fotografias como o dia em que ela nasceu, ao que ela responde: "Mãe, eu nasci de novo, mas desta vez inteira".
Enfermaria e regresso a casa
É surpreendente a inocência das
crianças. Aliás, esta é uma aliada na recuperação. Questionamos como é
possível andarem já de pé na brincadeira, 3 dias depois de uma
cirurgia daquelas. Os maiores medos ali são: tirar os pensos, tomar os
comprimidos e as inalações de soro para ajudar a soltar a porcaria
acumulada. Chega a dar vontade de rir, depois de tudo o que passou…
Para além das medições constantes
dos sinais vitais (temperatura, tensão, saturação…), a medicação, as
refeições à hora certa, o resto do tempo é de brincadeira... até às
tantas.
Estas crianças são especiais, e por
isso são tratadas como príncipes e princesas. Doces, gelados são
“permitidos” assim como tudo aquilo que os faça sentir bem. As enfermeiras
são 5 estrelas. Um cuidado, um carinho, uma dedicação fora de
série, verdadeiramente talhadas para aquela função. Os médicos, sempre
lá. Fiquei com a sensação que, tal como nós pais, também eles sentem
orgulho naqueles pequenos valentes. São uma espécie de inspiração, de
energia positiva.
As noites naquela enfermaria foram
passadas com outras mães com quem aprendi imenso. Ali estou eu com a
minha de 9 anos, operada pela 1ª e (em princípio) única vez. Ao meu
lado uma menina com 6 anos, na 3ª operação e um menino com 1 mês
operado a 2ª vez. Dá que pensar.
As mães que conheci tocaram-me
especialmente. A forma como encaram a vida com tanta serenidade, com tanto
optimismo, tanta esperança, é uma grande lição de humildade e
redenção. Aprenderam a aceitar o problema cardíaco grave dos filhos e a viver
com ele todos os dias. Pergunto-me onde vão buscar tanta coragem.
Dificilmente se esquecem pessoas assim. Aqui estão elas... :))
Finalmente o regresso a casa 7 dias
depois da cirurgia…Parece que foram 3 meses mas não, foram só
mesmo 7 dias. Pensamos em como nos sentíamos 8 dias antes e quase não
acreditamos que estamos em casa.
A minha mensagem aos pais: reunam forças, venham lá de onde vierem, para viver os dias
complicados com serenidade e paz. A ciência médica é uma das maiores
bênçãos da sociedade moderna. Portugal está extraordinariamente bem preparadao para lidar com as nossas crianças com problemas cardíacos, aqui, no Hospital de Santa Cruz. Tenham coragem e acreditem que o dia de amanhã
será melhor que o de hoje.
Mãe da Natália, Alexandra
Colocou um pacemaker? Obrigada
ResponderEliminarBoa noite acabei de conhecer sua história e da sua princesa Valente...toda honra e glória a Deus. ..queria muito seu contato para nois conversa....também estou passando por isso...
ResponderEliminarLuciana, pode por favor enviar mensagem para maenascidenovo@gmail.com.
EliminarUm beijinho,
Alexandra